domingo, 30 de novembro de 2008

Encantamento

Juan Miró, quadro lindo que não sei o nome.





Tudo é o não-saber
Revelado por uma palavra,
Revelado por um sorriso,
Uma escuta,
Um acontecimento.


Tudo é o que não se vê
Mas se sabe, se percebe,
Se intui e transparece
Pela lente curiosa
De um encantamento.

Toda é a alegria
Que surge a cada momento,
Escondida no canto da boca,
E se estende pelo dia
E espera pacientemente a noite chegar.

Toda é a esperança,
Uma coisa á toa, bobagem passageira
De menina arteira
Que esqueceu de crescer...


Toda é a vontade,
Pequenina e persistente,
Que esse encantamento,
Sopro leve de um afeto quente,
Não se perca pelo ar...

Toda é a possibilidade
Que ele se torne
Sentimento verdadeiro,
Não importando o nome que tenha
Mas que venha e se instale,

Que alegrias sempre exale
E que chegue...

Pra ficar.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Dor de Alma


O tempo me consome incessantemente. Ora passa lento, ora rápido demais, ora não o sinto passar. Minhas mãos tentam seguir o percurso do meu pensamento. Mas ele está vazio, assim como está o meu coração. De repente me dá uma vontade inusitada de fumar. Não fumo há tanto tempo...tentativa frustrada de que a angústia se vá junto com a fumaça do cigarro, que escape pelas frestas das janelas e suma em direção ao céu. Ledo engano, vontade pueril de que, de repente, tudo fique bem. Não pensar em você é difícil, mas pensar em você dói. E eu fico no meio de um fogo cruzado onde a razão e a emoção brigam e nada se resolve.

Ainda não passou, estranho se passasse? Fica um incômodo, uma sensação de dever não cumprido, uma falha em meu caráter essencialmente racional e quadrado, em minha torpe mania de achar que tudo precisa ficar milimetricamente arrumadinho, inclusive os meus sentimentos. A desordem da vida me incomoda, a bagunça em minha mente me incomoda, me incomodam as coisas estranhas e pungentes que eu não posso controlar. Sinto-me como quem acabou de arrancar um dente. Dor de dente é dose, não pára de doer um só segundo, incomoda, angustia, oprime. Aí você resolve arrancar. Não, canal não adianta, apenas adia o problema. Vamos pôr logo fim a isso. Em meio aos apelos do dentista que diz: “Tem certeza que a senhora não quer tentar um canal?” Tenho. Quero 100% de certeza, não quero pensar na ínfima possibilidade de sofrer tudo isso novamente. E lá está você, resignada, diante de uma agulha do tamanho do mundo, onde finalmente você se anestesia. E lá se vai o dente. Sangra, estanca. Pronto. Não faz muito esforço e volta pra casa. Alívio. Acabou a dor. Acabou a angústia. Mas falta algo. Passeando com a língua pela boca, lá está o buraco. É enorme. Cadê o dente que tava aqui?

O buraco fica, o buraco não some, o dente não volta. Você está sem uma parte sua. Abre a boca enorme diante do espelho e se confronta com a falta. Já não sorri mais com o sorriso largo, sorri de meia boca, podem perceber que me falta algo. Sorri um sorriso falso, finge felicidade que não existe. Mas um dia você se acostuma com a falta. Cria estratégias pra falar, sorrir e comer sem o tal dente perdido. Afinal você tem vários né? Se não me engano, salvo os molares miseráveis que quase sempre temos que arrancar, ainda sobram pelo menos 30. O tempo passa e a vida continua. O tempo reconforta a falta. Embora a falta nunca falte. A falta só se tranforma....em saudade.