quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Desesperança





Não espero nenhum olhar, não espero nenhum gesto, não espero nenhuma cantiga de ninar. Por isso estou vivo. Pela minha absoluta desesperança, meu coração bate ainda mais forte. Quando não se tem mais nada a perder, só se tem a ganhar. Quando se pára de pedir, a gente está pronto para começar a receber. O futuro é um abismo escuro, mas pouco importa onde terminará a minha queda. De qualquer forma, um dia seremos poeira. Quem é você? Quem sou eu? Sei apenas que navegamos no mesmo barco furado, e nosso porto é desconhecido. Você tem seus jeitos de tentar. Eu tenho os meus.

Caio Fernando Abreu

Interrogação

Maxfield Parrish, Aquamarine, 1917

Não, a minha dor não cabe no poema
Ela escorre por entre os versos, por entre as palavras
Por entre as letras e se derrama em lágrimas
Que molham o papel.

Não, a minha dor não cabe em mim
Rasga-me o peito, quer sair,
Quer explodir por entre os soluços,
Os gritos, os suspiros e o sonho.

A minha dor não cabe e
Se expande em desespero,
Não sou mais eu , é outra
Envolta nas névoas de um abandono.

A minha dor não cabe nas horas
Do dia que se arrasta,
Insiste,  nefasta
Corrói a minha alma,
E me faz trapo humano, pedaço de nada
A espera do tempo passar.

A minha dor não cabe em mim.
O que eu faço com uma dor assim ?

domingo, 25 de dezembro de 2011

Perfume

Waterfall, Maxfield Parrish, 1930. 





Teu cheiro ficou entranhado na cama, na casa,  na alma,
em todos os recantos e cantos.

Teu cheiro ficou perdido por baixo de meus cílios, 
envolto nas lágrimas de meu desespero
Teu cheiro ficou em minhas narinas, em minha pele, num recôndito lugar
Onde teço a minha saudade silente.

Teu cheiro me invade, me compele a chorar novamente
Teu cheiro é gosto amargo
De uma manhã incerta, de um amanhã que não chega,
de uma interrogação acesa,
Pairada na porta de um sonho.

Teu cheiro relembra o meu abandono
Aponta para a minha cama vazia,
Teu cheiro é paradoxo, suplício e alegria
Descontentamento e angústia.

Teu cheiro em minhas narinas evoca
a dor da presença que o amor ausencia.
Teu cheiro me acalma,
Teu cheiro me vicia.
Acalenta-me para dormir nas noites insones.



Teu cheiro é perfume.