quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A uma desconhecida


O calor da noite tentava se dissolver nos pingos grossos da chuva que insistiam em nos molhar. O toldo pequeno amparava as pessoas que queriam dela fugir. Foi quando te vi. Tua cara lavada de moleque travesso contrastava com o sorriso feminino que emoldurava teus olhos. Teus olhos de índia olharam-me meio que de esquina, e eu olhei para você admirada. Uma cintura fina que a indumentária masculina não queria revelar, mas era inútil. A cintura tinha vida própria. A sinuosidade não se deixava escravizar pela roupa. Antes, a escravizava. As curvas davam à calça mesclada de cinza tons de vermelho invisíveis, pois que mostravam ali um cheiro de mulher que se dispersava pela noite e adentrava as portas do teatro. A blusa era azul como o céu, colada ao corpo, desenhando os seios minúsculos, colados ao busto, ampliando o horizonte de um perfil andrógino. Mas quando falou percebi que era uma menina que estava ali. Cabelo curtinho e espetado, bom de passar a mão e de sentir o arrepio dos fios te espetando a mão.

Clarice foi a mãe da conversa. Com um discurso de quem vê o mundo com olhar de uma criança estupefata, me contou sobre a sua descoberta literária: Judith Grosmann. Confesso que a noite, a descoberta, a chuva e a cumplicidade de meu amigo foram bem mais interessantes que a peça. Clarice não se permite desenhar. Antes, fazem esboços sobre o que ela escreve. Mas isso já é alguma coisa. De mim, um sorriso nos lábios em perceber que a vida pode ser boa na simplicidade. E como Clarice mesmo já me dizia: apesar de, se vive.

Um comentário:

Anônimo disse...

Bom que vc nunca perde a mão rs...as imagens são lindas e o casamento delas com o texto é perfeito! Go On!!!
bjãooo