segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Pendular



Estou cansada de idas e vindas. Uma tontice aguda me chega às têmporas, enjôo breve que vem e que passa. Mas um dia sempre volta. Estou disposta a contemplar problemas, respirar fundo e reinventar os sonhos. A ser paciente. Flexível, responsável, politicamente correta. Não mentir. Respeitar os mais velhos e todas as coisinhas do gênero. Resumindo: Ser uma boa menina. Mas preciso de ar fresco nas narinas. Como um passarinho que jura que não vai embora, mas pede em silêncio para ficar fora da gaiola. Não, não quero liberdades sexuais, relacionais, afetivas, ou qualquer coisa destas. Quero apenas ser quem eu sou. E poder dizer o que penso, o que sinto e o que quero. Compartilhar. Quero parar de um só lado: esquerdo ou direito. De preferência do lado onde eu encontre o nosso sorriso. Um sorriso frouxo e bobo, de risadas leves que nos fazem cair no chão. Não quero explicação. Quero um encontro num silêncio. Um momento exato, onde só exista cheiro de terra e de mar. Quero a brisa da cidade em meu rosto, exposto. Esconder-me em teus cabelos longos, logo. Quero simplicidade de vida quotidiana. Quero me reinventar, apenas. Deixar de ser pendular.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009


Uma formiga atrevida passeia displicente sob os pelos de meu braço. Eu paro o que estou fazendo para contemplar aquela criatura pequenina e me perco ali, passeando pelos pensamentos que indagam os motivos das coisas serem como são. Faz calor e o vento quente e abafado do ventilador só piora a sensação de angústia que inunda a casa e alma. Queria dizer muitas coisas. As palavras não aparecem. A sensação de frustração é tamanha que distorce o que penso. Não há verso que resista à desorganização de uma mente. Tudo precisa de organização. Meu sentir precisa estar obssessivamente organizado e arrumado. Não sei sentir desta forma. As palavras ainda não apareceram. Não vão aparecer. Queria falar de dor e desespero. Queria falar de solidão e desamparo. Queria falar de mim. Hoje, sozinha e sem palavras.


Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces ? - me perguntarão. -
Por não Ter palavras, por não ter imagem.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras ?
Tudo.
Que desejas ?
Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação ...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão !
Estandarte triste de uma estranha guerra ... )
Quero solidão.


Cecília Meireles

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Reencontro


Me despe teu olho

Graúdo de lua,

Que é tão pleno

Quanto o teu corpo

Leite sereno,

onde repouso.


Tuas mãos passeiam

À procura das minhas

E me encontram,

E me encantam e

Fazem pequenina

Como nunca antes fui.


Me molha teu sonho,

Fluido sorriso

De lágrima e desespero,

Teu toque ligeiro

Sobre o meu corpo,

estremecido.


Me arde o amor

Em outros tons,

Me invade o silêncio

De mil e um sons,

Me encanta o deleite

Do reencontro

Com teu amor.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Encontro


"
— E você, por que desvia o olhar?

(Porque eu tenho medo de altura. Tenho medo de cair para dentro de você. Há nos seus olhos castanhos certos desenhos que me lembram montanhas, cordilheiras vistas do alto, em miniatura. Então, eu desvio os meus olhos para amarra-los em qualquer pedra no chão e me salvar do amor. Mas, hoje, não encontraram pedra. Encontraram flor. E eu me agarrei às pétalas o mais que pude, sem sequer perceber que estava plantada num desses abismos, dentro dos seus olhos.)

— Ah. Porque eu sou tímida."

Rita Apoena

A uma desconhecida


O calor da noite tentava se dissolver nos pingos grossos da chuva que insistiam em nos molhar. O toldo pequeno amparava as pessoas que queriam dela fugir. Foi quando te vi. Tua cara lavada de moleque travesso contrastava com o sorriso feminino que emoldurava teus olhos. Teus olhos de índia olharam-me meio que de esquina, e eu olhei para você admirada. Uma cintura fina que a indumentária masculina não queria revelar, mas era inútil. A cintura tinha vida própria. A sinuosidade não se deixava escravizar pela roupa. Antes, a escravizava. As curvas davam à calça mesclada de cinza tons de vermelho invisíveis, pois que mostravam ali um cheiro de mulher que se dispersava pela noite e adentrava as portas do teatro. A blusa era azul como o céu, colada ao corpo, desenhando os seios minúsculos, colados ao busto, ampliando o horizonte de um perfil andrógino. Mas quando falou percebi que era uma menina que estava ali. Cabelo curtinho e espetado, bom de passar a mão e de sentir o arrepio dos fios te espetando a mão.

Clarice foi a mãe da conversa. Com um discurso de quem vê o mundo com olhar de uma criança estupefata, me contou sobre a sua descoberta literária: Judith Grosmann. Confesso que a noite, a descoberta, a chuva e a cumplicidade de meu amigo foram bem mais interessantes que a peça. Clarice não se permite desenhar. Antes, fazem esboços sobre o que ela escreve. Mas isso já é alguma coisa. De mim, um sorriso nos lábios em perceber que a vida pode ser boa na simplicidade. E como Clarice mesmo já me dizia: apesar de, se vive.

domingo, 4 de outubro de 2009

Rabisco

Egon Schiele, Death and Girl, 1915.

Rabisco as letras

Do teu nome

Em meu peito.

Elejo o teu nome

Como o mais bonito

Repito

Para não esquecer

Em todos

Os tons e cores.

Teu nome

É eco de esperança

Em minha alma

Acalma

Meu sono.

Teu nome

Ressoa

Como o mais perfeito

Dos amores.

Dead Smile



Seu sorriso sem graça
Enche os espaços da casa
Asa oca de ave,
Eterno entrave para
Minha utopia.

Seu sorriso sem graça
Poeira velha com
Cheiro de traça,
Amor maduro que
Apodreceu.

Seu sorriso sem graça
Morreu
Em minha boca.

Ocas mãos perdidas
Num beijo
Com gosto de breu.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Ninho



Nesses tempos onde o tempo é areia escorrendo em uma velha ampulheta, nada mais me conforta, me acomoda e me aconchega que a presença refletida de mim mesma em minha casa. Meus cantinhos traduzem o meu silêncio, minhas vontades, minhas manias.Os quadrados da casa, da alma e da vida, se ajustam, se arrumam, se organizam. Tudo silencia o furor de um cansaço que o vento aprisiona em mim. Minha cama explica o tom sutil das florezinhas miúdas de um lençol estampado. Claro, claro que foi presente. As estampas não me caem bem. Lençóis lisos traduzem a certeza do que se sabe, ampliam o tamanho da cama, deixam o meu sono mais tranqüilo. Sou eu toda de uniformidades, de alinhos, de linhas retas e milimetricamente medidas e arrumadas. Minha casa diz e repete pra mim quem eu sou e eu me sinto forte, segura. Uma xícara de café fresco, um chinelo velho e tempo gasto com bobagens ao computador. Acordar cedo e brincar com o lençol, sendo surpreendida pela luminosidade que entra pelas frestas da janela. A moça da pamonha com sua toada insistente e as notícias do jornal que se repetem, mas não perdem o cheiro de novidade. Levantar e dar de cara com as estantes, imóveis, mas sorrindo com os dentes abertos, cheinho de livros. Tocar em cada um deles. Ouvir uma música de Hendel enquanto saboreio um café e um pão quentinho, recheado com sabor de leve brisa. E nesses momentos simples e tão únicos é que se percebe e se sente o que é realmente estar em paz.


quarta-feira, 1 de julho de 2009

Eu sou poeta e não aprendi a amar

Primeiro de Julho
Eu vejo que aprendi
O quanto te ensinei
E é nos teus braços que ele vai saber
Não há por que voltar
Não penso em te seguir
Não quero mais a tua insensatez
O que fazes sem pensar aprendeste do olhar
E das palavras que guardei pra ti
Ninguém sabia e nínguém viu...
Que eu estava ao teu lado então...

Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher

Minha mãe e minha filha,Minha irmã, minha menina

Mas sou minha, só minha e não de quem quiser

Sou Deus, tua Deusa, meu amor....

Carta ao senhor A.


Você fala de mim com uma precisão tão absoluta que eu, esperançosa que sou, às vezes chego a acreditar que você me entende. Bobeira minha. Ninguém me entende, nem eu mesma. Mas às vezes você me desentende e isso todo mundo sempre faz. Você me põe para pensar. Eu consigo escutar as suas palavras trazidas pelo vento em minha direção. Consigo me comover com suas dores e com suas lembranças, consigo uma ínfima aproximação e, nesses curtos momentos, percebo que sou ligeiramente feliz.

Eu sou alguém que se perdeu de si mesma, confusa entre personagens que eu mesma inventei. Eles me ferem tortuosamente, mas eu me submeto. Ser o que não sou é tão fácil. Ser o que não sou não dói. Não quero me expor, não posso me expor, tenho medo de me expor. Seguro firmemente as grades de me separam deste mundo, o seu. Não é que você não mereça. Não é que você não possa. Eu é que jamais conseguiria chegar até ai.

Tua presença me alivia. Bom ouvir a tua voz como quem acabou de lembrar que tem que tomar um remédio. E dorme tranqüilo, não haverá dores nas próximas oito horas. Pelo menos. O que nos une é diferente de qualquer entendimento das pessoas. Não é namoro, não é sexo, não paixão, não é amor, nada nominável. Estranha mania que o mundo tem de por nome a tudo, de rotular e estabelecer regras para qualquer tipo de relação entre duas pessoas. Não nos encaixamos. Até que tentamos, mas não dá. É um afeto, um encontro, uma coisa boa que persiste. Uma coisa que eu quero que persista. Sem maiores pretensões.

sábado, 27 de junho de 2009

Poeira


Ela não é forte coisa nenhuma... É apenas uma menina grande brincando de casinha. Medo de não fazer certo, medo de as coisas darem errado, medo de não chegar no horário. Grandes medos para uma grande menina. Arruma as coisinhas miúdas no guarda-roupa enquanto ensaia uma arrumação na vida. Lembra de marcar os médicos, lembra de ir à costureira e tenta lembrar de não esquecer nada. Forra a cama com o primor de quem não dorme ali. Sacode a poeira perdida e incrustada na alma e na vida. A casa é enorme, o mundo também.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Shelly



Para você toda a alegria e esperança,
de dias verdinhos e suaves,
de brisas quentes assanhando teus cabelos,
de riso perdidos e intermináveis
quebrando o silencio de dias rotineiros.

Para você todo o ar festeiro,
todo o céu e mar
cantigas de ninar
para você acordar e contemplar
o sabor do mundo inteiro

Para você meu verso
o mais verdadeiro,
cheiro suave de terra,
depois de longa tempestade.

Para você o inefável
traço de afeto e sentimento,
meu maior presente...

Para você a minha eterna amizade!

terça-feira, 28 de abril de 2009

Silêncio


Acho engraçado você ficar sem graça
Acho confortante o teu sorriso que me diz:
Paciência!


Acho interessante sua memória prodigiosa e seu jeito único
De contar o tempo

Acho comoventes as lembranças que se desenham em seu olhar
Quando me vês.

Acho envolvente o passeio de suas mãos macias nas minhas
Acho interessante o modo ímpar como nos encontramos
E nos dizemos tantas coisas

Em silêncio.

domingo, 12 de abril de 2009

Ribeira


É incrível como a gente sempre tenta enxergar o mundo a partir de um referencial próprio, de um modelo construído. Tudo o que não se enquadra nesse modelo é chamado por nós de estranho. Estranheza é a incapacidade de adequar a nós mesmos aquilo que é diferente. Tudo que é diferente assusta, tudo que é diferente gera interrogações e angustia. Enxergar o diferente sob uma nova perspectiva é sempre um desafio, principalmente quando o estranho é belo e desponta à nossa frente. É um exercício bom de fazer. Se permitir sentir as coisas de forma diferente, enxergar o mundo sob uma nova perspectiva...

Estranheza foi a primeira coisa que eu senti quando cheguei ali. Desde que o ônibus foi chegando ao lugar, vi que as coisas mudavam. As casas eram diferentes, a disposição das coisas nas ruas, as lojas, as pinturas nos muros, as pessoas... Tudo numa lógica diferente, como numa pintura de livro. Parecia que eu estava em outra cidade e não assim tão pertinho de casa.

O mar se anunciava sereno para mim. Sem ondas, sem aquela areia branca a que estou acostumada, sem o cheiro forte de maresia que sempre invade as minhas narinas. Era um mar calmo, um mar parecido com um rio que de quando em quando despejava ondinhas minúsculas que mal balançavam as águas. Havia barcos que mais pareciam braços, espalhavam-se pela água como brinquedos, reiteravam a aura de paz e que davam a impressão que eu estava numa cidadezinha do interior. As pessoas eram diferentes, tudo era silencioso apesar de alguns carros exibirem músicas e de haver crianças correndo. Era um silêncio que se despia em meio ao barulho suave das pessoas e das coisas.

Era uma pintura perfeita. Eu olhava encantada tudo, com cara de quem está perdida e ao mesmo tempo querendo ficar ali e respirar fundo o cheiro de novidade. Se houvesse uma maneira de guardar aquela sensação em um potinho eu o faria. Mas todas as coisas boas que sentimos são levadas sorrateiramente pelo vento. Vão e deixam em nós uma sensação de bem estar que não se pode descrever. Talvez pela necessidade de voltarem e nos encantarem mais uma vez.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Compaixão





Sinto vontade de chorar quando te vejo
Mas não sei o porquê.

Sinto vontade de te trazer pra mim e
Guardar-te numa caixa.

Sinto vontade de te dizer que não sou tão boa quanto você pensa

Vontade de não te machucar nunca mais.

E plantar uma flor com o teu nome

Em meu jardim.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Despedaços




Três gotas de limão
Para adoçar o dia
Duas colheres de açúcar
Para azedar a noite

Uma gota de água
Para temperar o mundo
Uma colher de café
para perfumar a cama

Duas mãos
Para andar sobre a terra
Duas pernas
Para abraçar a guerra

Uma dor para acalmar a pele
Uma anestesia para sentir a dor
Um branco para colorir a página
Uma solidão para me acompanhar.

Uma vida para morrer em ti.
Um pedaço pra eu ser inteira
Um adeus para te ter mais perto.
Um cobertor para sentir frio


Receita para driblar o vazio,
Mofo para renovar a roupa,
Trabalho para aliviar o cansaço
Espelho para enxergar o outro:


Apenas eu,
Em despedaços.

Realidade

El vendedor de alcatraces, Diego Rivera

É preciso acordar cedo
É preciso pagar as contas,
È preciso andar na faixa
É preciso fazer as compras

É preciso subir escadas
É preciso economizar água
É preciso guardar os mortos
É preciso não ter raiva

É preciso reciclar o lixo
É preciso evitar a fofoca
É preciso fazer dieta
É preciso fechar a porta

É preciso amar o outro
É preciso fingir alegria
É preciso cuidar da natureza
É preciso aproveitar o dia

Falsa ilusão de necessidade
De precisões se faz o mundo
É preciso viver e ser feliz...

Mas quando?

segunda-feira, 2 de março de 2009

Sossego

Renoir - Seated Bather; c. 1883- 84;



"Me diz o que é o sossego que eu te mostro alguém a fim de te acompanhar..." L.H



Chove
O tempo todo
Em minha janela


Eterno e disperso
Cheiro de terra


Liberdade com aroma
de vento


Mau intento?

Chá de folhas de laranjeira



Na poltrona
Passo a página

Tento reescrever a mesma história.



Quero mesmo é um amor
Pra vida inteira

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Einsam Abschied


Hoje era o dia. Esperado, planejado, indeciso, apenas o dia. Ela estava cansada. Da vida, das dores, de tudo. Tudo terminaria com um longo suspiro. Já estava decidido e era assim que ia ser. Andou mais rápido do que de costume e entrou correndo para casa. Bateu vigorosamente a porta de seu quarto e jogou-se na cama como quem há tempos não dorme. Ali ficou por alguns instantes quando foi surpreendida pelos gritos da mãe que adentrara o quarto sem bater, como de costume:

- Filha, você já comeu alguma coisa hoje?

Era melhor não responder. Mas a mãe insistente que era iria continuar a repetição como um velho disco riscado.

- Tô sem fome mãe....

- Menina, assim nada vai dar certo, eu já te disse, você precisa comer, precisa colaborar também, eu estou pagando a terapia, mas você só engordou apenas um quilo até agora...se continuar assim você vai morrer, é isso que você quer?

Levantou-se e deixou a mãe falando sozinha. As coisas que a mãe dizia ecoavam em sua cabeça, queria esquecer, não ouvir, mas não tinha jeito. Sentia um frio que não sabia de onde vinha...sentia na verdade que a mãe tinha razão. Ela não ia morrer, ela já estava morta.

Voltou para casa tarde e alegrou-se por um segundo com a tranqüilidade que habitava cada cômodo. Foi ao banheiro, ligou o chuveiro e ficou de pé, observando a água enquanto a banheira enchia. Tirou cada peça de roupa como num ritual. Enquanto cada peça caía, percorria o seu corpo com um olhar melancólico. Sentia nojo e repugnância ao ver seus ossos, sua pele flácida, seus joelhos, seu ventre. Tudo pendia como uma fruta murcha e apodrecida. Ela era um pedaço perdido de melancolia e podridão. Nua, observava ao espelho seus seios como pedaços de um corpo que jazia incessantemente. Não era mais necessário esperar. Sentia em sua alma a necessidade de ir embora, partir. Sentia que algo de bom lhe aguardava, queria a paz do que não se sabe. Sabia do desconhecido com uma certeza inabalável.


Deitou-se na banheira. A água morna deu ao seu corpo uma sensação agradável de aconchego. Lanhou a própria carne como quem se entrega ao sacrifício. Com a cabeça pendida para baixo, sentia o filete escorrer pelos seus punhos, percorrer todo o seu corpo e encontrar a água da banheira como um rio que encontra o mar e se fortalece com esse encontro de cores. O vermelho inundava tudo. Ela sentia-se invadida por uma paz indescritível, sentia-se cada vez mais leve, leve e leve. Estava indo embora, sem despedidas. Solitariamente.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

As outras

Picasso, Les demosielles de Avignon



A interrogação paira sobre minha cabeça

De não saber se sou esta ou se sou a outra

De não saber quem grita dentro de mim em urgência

De não saber quem chora ou quem é feliz

Sussuram em meus ouvidos

As vozes dessas várias mulheres

 

 Paira  sobre minha cabeça

A confusão de sentir o que elas sentem

Se são verdadeiras, se mentem,

Estão em mim e eu nelas numa doente simbiose

 

Procuro um espelho

Onde se reflita a imagem verdadeira,

Seja eu essa mulher inteira,

Seja real em despedaços minúsculos que compõem

O que fui um dia qualquer.

 

Essas mulheres e nenhuma,

Doce confusão de se sentir absoluta

Delírio inconsistente que perscruta

A face perdida de mim mesma

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

after ventus


São muitas as coisas para fazer, mas nada me interessa.

Nada me mobiliza e nem me comove
O sol é de rachar lá fora, mas o que eu sinto é frio.

Vento invisível soprando forte em minha cara.
Retorno do meu oposto e caio cansada ao chão.
Nada me interessa.
A não ser...


Esse gosto amargo de dor e solidão

Bruma de morte

Enevoando tudo.