quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Einsam Abschied


Hoje era o dia. Esperado, planejado, indeciso, apenas o dia. Ela estava cansada. Da vida, das dores, de tudo. Tudo terminaria com um longo suspiro. Já estava decidido e era assim que ia ser. Andou mais rápido do que de costume e entrou correndo para casa. Bateu vigorosamente a porta de seu quarto e jogou-se na cama como quem há tempos não dorme. Ali ficou por alguns instantes quando foi surpreendida pelos gritos da mãe que adentrara o quarto sem bater, como de costume:

- Filha, você já comeu alguma coisa hoje?

Era melhor não responder. Mas a mãe insistente que era iria continuar a repetição como um velho disco riscado.

- Tô sem fome mãe....

- Menina, assim nada vai dar certo, eu já te disse, você precisa comer, precisa colaborar também, eu estou pagando a terapia, mas você só engordou apenas um quilo até agora...se continuar assim você vai morrer, é isso que você quer?

Levantou-se e deixou a mãe falando sozinha. As coisas que a mãe dizia ecoavam em sua cabeça, queria esquecer, não ouvir, mas não tinha jeito. Sentia um frio que não sabia de onde vinha...sentia na verdade que a mãe tinha razão. Ela não ia morrer, ela já estava morta.

Voltou para casa tarde e alegrou-se por um segundo com a tranqüilidade que habitava cada cômodo. Foi ao banheiro, ligou o chuveiro e ficou de pé, observando a água enquanto a banheira enchia. Tirou cada peça de roupa como num ritual. Enquanto cada peça caía, percorria o seu corpo com um olhar melancólico. Sentia nojo e repugnância ao ver seus ossos, sua pele flácida, seus joelhos, seu ventre. Tudo pendia como uma fruta murcha e apodrecida. Ela era um pedaço perdido de melancolia e podridão. Nua, observava ao espelho seus seios como pedaços de um corpo que jazia incessantemente. Não era mais necessário esperar. Sentia em sua alma a necessidade de ir embora, partir. Sentia que algo de bom lhe aguardava, queria a paz do que não se sabe. Sabia do desconhecido com uma certeza inabalável.


Deitou-se na banheira. A água morna deu ao seu corpo uma sensação agradável de aconchego. Lanhou a própria carne como quem se entrega ao sacrifício. Com a cabeça pendida para baixo, sentia o filete escorrer pelos seus punhos, percorrer todo o seu corpo e encontrar a água da banheira como um rio que encontra o mar e se fortalece com esse encontro de cores. O vermelho inundava tudo. Ela sentia-se invadida por uma paz indescritível, sentia-se cada vez mais leve, leve e leve. Estava indo embora, sem despedidas. Solitariamente.

2 comentários:

Anônimo disse...

Só me veio aquela cena do episódio de The L Word em que Jenny tenta se matar...denso...muito denso...

Rafael Fontana disse...

:-) Adoro coisas sombrias assim. Qto mais vc demora de resolver, mais sabor tem o final.