segunda-feira, 5 de março de 2012

Coragem




Aprendeu a ser corajosa assim que nasceu. Com um susto a estar no mundo, respirar com um empurrão. Encarar o mundo estranho em que vivemos e deixar de lado o cantinho aconchegante da barriga da mãe. Não tinha medo de trovão, nem de cobra, nem de escuro. Quando ouvia barulhos estranhos sempre ia ver o que era, a curiosidade sempre foi maior que o medo. Mas, como ninguém é perfeito, ela tinha um medo sim. Um medo de criança que cresceu junto com ela e virou pavor.

Um dia a mãe acordou irritada com seus gritos ao deparar-se com o asqueroso inseto que subia pelas paredes. Uma barata. A mãe não entendia esses medos de criança e nem queria entender. E disse, como uma bruxa malvada, que ia jogar a barata em cima dela. Partiu com o que sobrara do peçonhento animal, em meio ao pavor que crescia nos olhos da menina. Foi salva pelo pai naquele dia. O homem, apesar de frio, também teve uma mãe malvada e sentiu-se comovido com o que acontecia com a filha. Naquele dia ela não conseguiu mais dormir e o medo da barata assumiu contornos gigantescos, maiores do que ela um dia podia imaginar.

E eis que hoje ela acordou do sono leve e deparou-se com o amor, encolhido num canto, amendrontado. Uma barata estava no banheiro. Era enorme, aterrorizante e tomava conta do espaço como uma ditadora lutando pelo seu território. Não deu nem para tomar banho. Teria que dormir suja mesmo. Os medos do seu amor confrontavam-se com os seus. E o que se faz numa hora dessas? Como salvar o outro de um medo que também é seu? Como ser muralha quando o que resta são pequenos destroços de concreto caídos pelo chão?

Ela não pensou muito. Levantou-se resoluta, mas cautelosa. Com um spray de inseticida em mãos e com toda a coragem do mundo foi enfrentar o inseto. Foi enfrentar o medo. Recuou depois de um tiro certeiro. E voltou para ver a espécime repulsiva debatendo-se até morrer. Respirou aliviada. Arrumou o espaço para o amor tomar banho. Tirou dali o cheiro, as lembranças do medo. Abriu o chuveiro e deixou que a água escorresse bastante. Limpou tudo e convidou-a para banhar-se de novo.  Sentiu que seu peito se enchia de um sentir bom, dever cumprido, proteção. O muro novamente se erguia, em sua boca um gosto suave de amor e valentia.

E neste dia descobriu, de súbito, que a coragem se revela em nós das mais inusitadas formas. E quando amamos, o medo fica menor até sumir. Porque amar é ser forte quando só restam destroços. É reconstruir as colunas, as paredes, a casa. É reforma íntima e crescimento. Amor é coragem.

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