quinta-feira, 29 de março de 2012





Frágil — você tem tanta vontade de chorar, tanta vontade de ir embora. Para que o protejam, para que sintam falta. Tanta vontade de viajar para bem longe, romper todos os laços, sem deixar endereço. Um dia mandará um cartão-postal, de algum lugar improvável. Bali, Madagascar, Sumatra. Escreverá: penso em você. Deve ser bonito, mesmo melancólico, alguém que se foi pensar em você num lugar improvável como esse.Você se comove com o que não acontece, você sente frio e medo. Parado atrás da vidraça, olhando a chuva que, aos poucos, começa a passar.

Outra vez chinês, você se afasta um pouco para ver melhor o ideograma. “Verdade interior” — você repete. E acrescenta:

“Tenho uma boa taça. Quero compartilhá-la com você”. Estende as mãos para frente, como se fosse tocar o rosto de alguém. Mas você está sozinho, e isso não chega a doer, nem é triste. Então você abre a janela para o ar muito limpo, depois da chuva. Você respira fundo. Quase sorri, o ar tão leve: blue.

Caio Fernando Abreu - Pequenas Epifanias - 61: Verdade Interior
O Estado de S. Paulo, junho/1987

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